domingo, novembro 30, 2014

Carta aberta de Pedro Passos Coelho aos desempregados portugueses





Carta aos 19%


Artigo de Ricardo Araújo Pereira em «Novíssimas Crónicas da Boca do Inferno» (2012):

Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego.

Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.

Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.

Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade.

Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.

Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.


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Um desempregado de longa data faz compras em Lisboa coadjuvado por dois canídeos (um claro sinal de abastança).


terça-feira, novembro 25, 2014

Sobre as causas das «Crises Financeiras» e das «Austeridades» que grassam por esse mundo fora…



Post dedicado aos "Economistas" de pacotilha que pululam nos jornais, televisões, blogosfera e redes sociais, e que, por venalidade, ignorância ou estupidez, defendem que os países devem pagar uma «dívida» genocida, que foi deliberadamente criada pelo Poder Financeiro Internacional, acolitado pelos «nossos representantes eleitos»...



Na imagem, um processo de «Recapitalização da Banca» por forma a prevenir possíveis «Riscos Sistémicos»...


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Henry Ford (1863 – 1947) foi o americano fundador da Ford Motor Campany. O seu automóvel, Modelo T, revolucionou o transporte e a indústria americana. Ford foi um inventor prolífico e registou 161 patentes. Na qualidade de dono da Companhia Ford tornou-se um dos homens mais ricos e conhecidos do mundo.

Em 22 de Maio de 1920, Henry Ford escreveu no Jornal "The Dearborn Independent":

"Existe no mundo de hoje, ao que tudo indica, uma força financeira centralizada que está a levar a cabo um jogo gigantesco e secretamente organizado, tendo o mundo como tabuleiro e o controlo universal como aposta. As populações dos países civilizados perderam toda a confiança na explicação de que «as condições económicas» são responsáveis por todas as mudanças que ocorrem. Sob a camuflagem da «lei económica» muitíssimos fenómenos foram justificados, os quais não se deveram a nenhuma lei económica a não ser a do desejo egoísta humano operado por meia dúzia de homens que têm o objectivo e o poder de trabalhar a uma vasta escala com nações como vassalas."



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Senador e candidato a presidente norte-americano Barry Morris Goldwater (1909 – 1998), escreveu no seu livro - "With No Apologies" (página 231):

"Uma organização em mãos privadas, a Reserva Federal (banco central norte-americano) não tem nada a ver com os Estados Unidos. A maior parte dos americanos não compreende de todo a actividade dos agiotas internacionais. Os banqueiros preferem assim. Nós reconhecemos de uma forma bastante vaga que os Rothschilds e os Warburgs da Europa e as casas de J. P. Morgan, Kuhn, Loeb & Co., Schiff, Lehman e Rockefeller possuem e controlam uma imensa riqueza. A forma como adquiriram este enorme poder financeiro e o empregam é um mistério para a maior parte de nós. Os banqueiros internacionais ganham dinheiro concedendo crédito aos governos. Quanto maior a dívida do Estado político, maiores são os juros recebidos pelos credores. Os bancos nacionais da Europa são na realidade possuídos e controlados por interesses privados."


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Woodrow Wilson (1856 - 1924), que foi Presidente dos Estados Unidos de 1913 a 1921, escreveu no seu livro "The New Freedom" (1913):

"Uma grande nação industrial é controlada pelo seu sistema de crédito. O nosso sistema de crédito está concentrado. O crescimento da Nação e de todas as nossas actividades está nas mãos de meia dúzia de homens. Tornámo-nos num dos mais mal governados, num dos mais completamente controlados e dominados Governos no mundo – não mais um Governo de liberdade de opinião, não mais um Governo pela convicção e pelo voto da maioria, mas um Governo pela opinião e intimidação de um pequeno grupo de homens dominantes.

[...]

Desde que entrei para a política, tenho ouvido maioritariamente opiniões de homens que me são segredadas em privado. Alguns dos maiores homens nos Estados Unidos, no campo de comércio e da manufactura estão com medo de alguém, estão com medo de alguma coisa.
Eles sabem que existe um poder algures tão organizado, tão subtil, tão vigilante, tão integrado, tão completo, tão penetrante, que preferem sussurrar quando o amaldiçoam."

quinta-feira, novembro 20, 2014

Alguns podres da ortografia portuguesa




A 15 Setembro de 2014, no blogue «A Biblioteca do Jacinto», Maria Clara Assunção (na foto supra), decididamente contrária ao Acordo Ortográfico, escreveu um post com um diálogo imaginário onde pretende espetar uns pregos no Acordo Ortográfico, como se a actual ortografia portuguesa fosse uma coisa sacra, divinamente concebida e absolutamente lógica e explícita (que o Acordo Ortográfico, supostamente, quer desmantelar).


Diálogo imaginário

- Escreveste "concepção" e o acordo ortográfico diz que é "conceção".

- Mas o acordo ortográfico também diz que se escreve como se pronuncia e eu pronuncio "concepção".

- Pronuncias mal. Com o acordo ortográfico não tem "p".

- Mas antes tinha e eu sempre pronunciei.

- Por isso é que fizeram o acordo ortográfico. Para as pessoas saberem como se pronuncia.

- Mas assim eu pronuncio "conc'ção" como em "concessão".

- Pronuncias mal. Com o acordo ortográfico pronuncia-se "concéção".

- Mas eu aprendi a ler todas as vogais fechadas excepto...

- Exceto.

- ?...

- Agora diz-se "exceto".

- ... "exceto" quando são a silaba tónica ou são seguidas pela consoantes "pt", "ct" ou "pç".

- Esquece tudo o que aprendeste. Agora quem manda é o acordo ortográfico. Senta-te direito e come a sopa de letras.


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Anaísa Gordino (foi Investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa e é, presentemente, Formadora e Consultora de Ciberdúvidas da Língua Portuguesa), no CIBERDÚVIDAS da Língua Portuguesa, aponta alguns dos podres da ortografia portuguesa:


Sobre o alegado papel das consoantes mudas na abertura das vogais que as precedem.

Em primeiro lugar, quanto à questão da dupla grafia, é preciso referir que existem duas situações:

a) Dupla grafia em espaços geográficos diferentes, dado as diferentes variantes do português apresentarem, para uma mesma palavra, pronúncias distintas; neste caso, distingue-se a variante luso-africana da variante brasileira, apresentando cada uma destas variantes a sua grafia própria para a palavra. É exemplo deste tipo de situação a dupla grafia da palavra facto/fato, que é grafada como facto em Portugal (ou seja, o "c" tem de ser mantido, pois é pronunciado) e fato no Brasil (o "c" não se pronuncia na variante brasileira, logo, foi eliminado);

b) Dupla grafia no mesmo espaço geográfico, dado os falantes apresentarem oscilações de pronúncia dentro de uma mesma variante, neste caso, a portuguesa; é neste tipo de situação que se inscreve espectador/espetador, um caso de dupla grafia dentro da nossa variante, o que, na prática, significa que, em Portugal, os falantes poderão escrever a palavra com ou sem "c", consoante o pronunciem ou não.


Em segundo lugar, quanto à questão da necessidade da manutenção das consoantes mudas ("c" ou "p") para abrir a vogal anterior, muitos de nós aprenderam, «corretamente ou não», que estas consoantes mudas serviam para abrir as vogais anteriores. Ora, diria que aprendemos «incorretamente» e que não existe uma regra ou uma correlação direta entre a presença de uma consoante muda e a abertura da vogal anterior (e, consequentemente, entre a queda dessa consoante muda e uma qualquer alteração na pronúncia da vogal), o que fica claro se olharmos para os dados.

Assim, esta questão tem também de ter em conta duas vertentes.

1. Da (alegada) relação causa-efeito entre a presença das consoantes mudas e a manutenção da abertura da vogal

Não há uma regra ou correlação direta entre a presença das consoantes mudas e a abertura da vogal anterior, seja em sílaba tónica ou em sílaba átona, o que fica patente se pensarmos nos dados do português e nas palavras que até agora mantinham estas consoantes mudas:

i) Por um lado, há palavras com consoante muda antes de uma vogal em sílaba átona em que a vogal é fechada, apesar da presença dessa consoante, a qual, a acreditarmos numa pretensa regra, deveria abrir a vogal (vejam-se casos como actual, actualidade, actividade), ao mesmo tempo que, noutras palavras, a vogal se mantém aberta (activa, afectivo, espectador); se existisse uma regra, tendo as consoantes mudas essa função específica de abertura das vogais, por que razão ela se aplicaria nuns casos e não noutros?

ii) Por outro lado, quando temos consoantes mudas antes de vogais que se encontram em sílaba tónica em palavras graves, o facto de haver palavras com sílaba tónica na mesma posição (ou seja, na penúltima sílaba), umas com consoante, outras sem qualquer consoante muda, em ambos os casos com uma vogal aberta, demonstra bem que não é a consoante muda que nos indica qual o timbre da vogal (tal deriva de regras fonológicas e de questões lexicais, não da presença de uma consoante muda) – veja-se completo (que nunca teve consoante muda) versus tecto ou dialecto, ou contrato (de trabalho), que já teve consoante muda "c" e a perdeu, mantendo, naturalmente, a abertura da vogal tónica, da mesma forma como deverá acontecer com exacto;

iii) por fim, no caso de palavras esdrúxulas, com a consoante muda a seguir à vogal tónica, é óbvio que a presença da consoante é redundante, pois o acento gráfico destas palavras cumpre a dupla função de indicar a sílaba tónica e de dar informação sobre o timbre da vogal (veja-se didáctica, eléctrico, óptimo); note-se ainda, como curiosidade, que o Acordo de 1945 já tinha eliminado as consoantes mudas de palavras como práctico/a, mas manteve-as em palavras como didáctico/a.


Tendo em conta os argumentos anteriores e ao analisarmos alguns exemplos de palavras podemos, de facto, perceber que não existe uma regra ou um processo linguístico subjacente à presença de consoantes mudas e à abertura das vogais que as precedem. Se assim fosse, como explicar as assimetrias em palavras que, inclusivamente, apresentam uma relação morfológica, mas que têm diferentes comportamentos? Como explicar, por exemplo, que em exacto/exactidão/exactamente, a vogal seja ora aberta, ora fechada, do ponto de vista da presença da consoante muda?

Claramente, não é a presença das consoantes mudas que determina a abertura ou não das vogais, o que nos leva a perceber que o que aqui está em causa são processos fonéticos, fonológicos e morfofonológicos, em alguns casos, mas também questões lexicais, noutros casos. São essas as verdadeiras razões para a manutenção da abertura das vogais, sobretudo das vogais átonas (já que, nas vogais tónicas, a abertura da vogal é algo natural, digamos assim) e, em particular, para a abertura das vogais nestes casos de (queda das) consoantes mudas.


2. Das verdadeiras razões para a não aplicação da regra do vocalismo átono/contextos que propiciam a não aplicação do vocalismo átono (permitindo a manutenção da abertura da vogal)

Há uma série de exceções à aplicação da regra do vocalismo átono, algumas das quais são regulares, outras das quais não podem ser explicadas através de regras, sendo marcadas no léxico, sem que haja uma regra possível para as descrever ou explicar, ou um contexto específico que possamos identificar sincronicamente (isto é, actualmente, já que alguns podem ser explicados diacronicamente, olhando para a história da língua).

(i) Casos regulares (como a própria designação indica, trata-se de contextos em que a manutenção da abertura da vogal átona apresenta uma regularidade):

a) Vogais em sílabas átonas terminadas pela consoante "l"

Exs.: salgado, relvado;


b) Vogais em sílabas átonas que têm um ditongo decrescente

Exs.: gaiteiro, pautado, endeusar, boiar;


c) Vogais átonas em contexto inicial de palavra

Exs.: operário, obreiro, olhar;


d) Vogais em sílaba átona em palavras formadas por derivação com os chamados sufixos z-avaliativos (-zinho, -zito, -zão) e com o sufixo -mente (aquilo que se designa como a presença de acento secundário)

Exs.: pobrezinho, chazinho, sozinho, belamente, rapidamente (aqui se inclui uma palavra como exatamente).


(ii) Exceções marcadas no léxico:

Aqui se inscreve o caso de espectador/espetador, no qual não podemos explicar a manutenção da abertura da vogal nem através do contexto, nem pela aplicação de uma regra, seja ela puramente fonológica ou morfofonológica. Aquilo que se defende é que há uma marcação no item lexical que determina que a vogal é aberta e que não sofre aplicação da regra do vocalismo átono. Colocando a questão de uma forma simples, as palavras vêm do léxico com um conjunto de informações (como se de um BI ou cartão do cidadão se tratasse) e esta é uma das informações que qualquer palavra traz; a abertura da vogal átona é, por isso, independente da presença ou não de uma consoante muda. Mateus et alii, em Fonética e Fonologia do Português (uma obra alheia às questões do Acordo Ortográfico) reforçam a ideia de que tal se trata de uma mera convenção ortográfica, derivada da etimologia:

"A não redução das vogais átonas nestes casos é por vezes indicada ortograficamente com uma consoante etimológica. Esse aspecto é exclusivamente ortográfico, visto que há palavras com as mesmas características que não têm indicação ortográfica, como se pode ver nos exemplos incluídos em (12) [que aqui retomo]; nas palavras de (12b) as vogais átonas têm origem histórica em duas vogais seguidas que se fundiram, ou seja, que sofreram uma crase."

12) - (a) dilação, invasor, protecção, absorver, baptismo, [espectador]

(b) mestrado, pregar [um sermão], corar, aquecer

Na palavra espectador/espetador (segundo a nossa pronúncia da consoante), a verdadeira razão, do ponto de vista linguístico, para a abertura da vogal é, então, a marcação no léxico desse aspecto, ou seja, a informação que a palavra traz do léxico de que aquela vogal é aberta e não será sujeita à aplicação da regra do vocalismo átono, mantendo-se por isso aberta num contexto em que, de outra forma, tal não seria esperado.

Assim, quer mantenhamos ou eliminemos o "c" de uma palavra como espectador, a pronúncia da vogal manter-se-á inalterada, à semelhança de todas as outras palavras que sofrerão a queda das consoantes mudas.

segunda-feira, novembro 17, 2014

Para reformular e simplificar significativamente a ortografia portuguesa


Proposta de simplificação da Ortografia Portuguesa



Para que este tipo de «escrita» se torne cada vez menos frequente


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Excerto de um texto de Miguel Esteves Cardoso:

«Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.»


E agora, exactamente o mesmo texto com a nova proposta de simplificação ortográfica:

«Ux amigux nüca säu para ax ocaziöix. Säu para sëpre. A idaia utilitária da amizáde, comu ëtreajuda, prötu-sucorru mútuu, tróca de favorex, depózitu de cöfiäsa, sosiedáde de dezabáfux, méte noju. A amizáde é puru prazêr. Näu se póde cötaminár cö favorex i ajudax, laia-se dívidax. Péde-se, dá-se, recébe-se, excése-se i näu se fála maix nisu.»



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As diferenças nas regras ortográficas vão muito mais além do que seria necessário pelas diferenças entre os sons das diferentes línguas. E muito menos justificação existe para as regras, no interior da mesma língua, não serem nem sistemáticas nem coerentes.

Um tipo de incoerência é que numa mesma língua um mesmo som ou fonema se represente com grafias diferentes segundo os casos. É o caso das palavras homófonas - pronunciam-se de forma idêntica, mas escrevem-se de forma diferente: a) Ela vai coser roupa / b) A carne está a cozer.

A incongruência é ainda maior quando com uma mesma letra ou combinação de letras se representam sons diferentes. É o caso das palavras homógrafas – escrevem-se do mesmo modo, mas pronunciam-se de forma diferente: a) Uma colher de sopa / b) Ele foi colher maçãs.

A primeira consequência destas incongruências é que frequentemente quando ouvimos uma palavra não temos a certeza de como se escreve correctamente e, por outro lado, quando vemos uma palavra escrita nem sempre sabemos como se pronuncia.

Estas incoerências do sistema ortográfico dificultam a aquisição da língua escrita (quanto tempo e quanta energia se têm de dedicar a uma tarefa que começa na primeira infância e nunca se pode considerar terminada).



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A 14 Agosto 2009, no blogue «A Biblioteca do Jacinto», Maria Clara Assunção (MCA), na foto, decididamente contrária ao Acordo Ortográfico, escreveu um post muito bem conseguido de nome «O acordo ortográfico e o futuro da língua portuguesa», onde ironiza simplificações da ortografia portuguesa.

Afirmou Maria Clara Assunção (MCA): «Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e acompanhando a forma como as pessoas realmente falam. Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros.»

Acontece que eu considerei muitas das propostas da Maria Clara Assunção para a simplificação da ortografia portuguesa bastante inteligentes e plausíveis, de tal forma que decidi juntar mais umas quantas propostas da minha lavra e compilar um conjunto de regras, nada complicadas, que, em minha opinião, simplificariam bastante a ortografia portuguesa e evitariam as ambiguidades que levam as nossas pobres crianças a dar tantos erros e a perder tanto tempo inútil na aprendizagem da escrita.



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As novas regras da Ortografia Portuguesa


Em termos de timbre e fonética o som das vogais pode ser: "Aberto", "Neutro", "Fechado" e "Nasal". O termo que eu utilizo "Neutro" é também chamado "Reduzido" e "Átono".

No entanto, nem todas as vogais possuem estas quatro características. Todas podem ser abertas ou nasais, mas nem todas podem ser neutras ou fechadas.

Assim sendo, pode-se convencionar o seguinte:


Regra nº 1: Como todas as vogais podem ser abertas, estabelece-se que o "a", o "e" e o "o" são sempre acentuadas com o acento agudo ("á", "é" e "ó") quando forem abertas. Exemplos:

Alto passa a escrever-se álto (...) aberto passa a escrever-se abérto (...) farol passa a escrever-se faról.

As letras "i" e "u" são um caso à parte.



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Regra nº 2: Todas as vogais neutras não levam acento. Exemplos:

Na letra "a" como nas palavras: "da", "costa" ou nos dois "as" da palavra "cabeça".

Na letra "e" como nas palavras: "vinte", "cidade" ou nos dois "es" da palavra "veneziano".



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Regra nº 3: A vogal fechada "e" leva sempre o acento circunflexo "^" como nas palavras: "pêra", "acêsa" ou "mêsa".

A outra vogal que pode ser fechada, a letra "o" nunca leva acento circunflexo, como nas palavras: "boda" ou "favor".



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Regra nº 4: Todas as vogais nasais levam o acento trema:

O som "an", "am" e "ã" passa a escrever-se ä.

O som "en" ou "em" passa a escrever-se ë.

O som "in" ou "im" passa a escrever-se ï.

O som "on", "om" e "õ" passa a escrever-se ö.

O som "un" e "um" passa a escrever-se ü.



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Regra nº 5: Quando uma vogal se lê com o som de outra vogal, o que se escreve é a outra vogal.



A frase «O cão "e" o gato» passa a escrever-se «U cãu "i" u gátu».



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As novas regras para as cinco vogais


Letra "A" -» O som da letra "a" pode ser aberto, neutro e nasal.

E utilizando as novas regras da acentuação de vogais:

O som da letra "a" pode ser aberto, tal como se lê nas palavras: "mar", "mudado" e "votar". Como as vogais abertas "a" e "e" levam sempre acento agudo, as palavras "mar", "mudado" e "votar", passam a escrever-se: "már", "mudádu" e "vutár".


O som da letra "a" pode ser neutro, tal como se lê nas palavras: "cama", "da", "vela" e "Anabela". Como todas as vogais neutras não levam acento, as palavras "cama", "da", "vela" e "Anabela" passam a escrever-se: "cama", "da", "véla" e "Anabéla".


O som da letra "a" pode ser nasal, tal como se lê nas palavras: "rã", "antigo", "ângulo", "amputar" e "âmbito". Como todas as vogais nasais levam o acento trema: "ä", "ë", "ï", "ö" e "ü".

As palavras "rã", "antigo", "ângulo", "amputar" e "âmbito" passam a escrever-se: "rä", "ätigu", "ägulu", "äputár" e "äbitu"


Em suma, e juntando as novas regras, a palavra "sandália" passa a escrever-se "sädália", a palavra "candidata" passa a escrever-se "cädidáta", etc.


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Letra "E" -» O som da letra "e" pode ser aberto, neutro, fechado e nasal.

E utilizando as novas regras da acentuação de vogais:

O som da letra "e" pode ser aberto, tal como se lê nas palavras: "Alberto", "certo" e "correto ". Como as vogais abertas "a" e "e" levam sempre acento agudo.

As palavras "Alberto", "certo" e "correto" passam a escrever-se: "Álbértu", "sértu" e "currétu".


O som da letra "e" também pode ser neutro, tal como se lê nas palavras: "de", "caridade" e "feliz". Como as vogais neutras não levam acento, as palavras "de", "caridade" e "feliz" passam a escrever-se: "de", "caridáde" e "felix".


O som da letra "e" também pode ser fechado, tal como se lê nas palavras: "ter", "fazer" e "quê". Como as vogais fechadas (excepto o "o") levam o acento circunflexo como em "ê".

A palavra "ter" passa a escrever-se "têr", a palavra "fazer" passa a escrever-se "fazêr" e a palavra "quê" passa a escrever-se "cê".


O som da letra "e" também pode ser nasal, tal como se lê nas palavras: "entorna" ou "emplastro". Como todas as vogais nasais levam o acento trema como em "ë".

A palavra "entorna" passa a escrever-se "ëtórna" e a palavra "emplastro" passa a escrever-se "ëpláxtru".



Quando o "e" se lê "i", deverá ser substituído pelo "i" = o homem e a vida -» u ómëi i a vida.

Quando o "e" se lê "a", deverá ser substituído pelo "a" = "canteiro -» cätairu.

Quando o "o" se lê "u", deverá ser substituído pelo "u" = o carro -» u cárru.


Têm passa a escrever-se täiäi -» T + an + i + an + i = T + ä + i + ä + i

Vêem passa a escrever-se vêäi -» vê + an + i = vê + ä + i

Vêm passa a escrever-se väiäi -» v + an + i + an + i = v + än + i + ä + i





«O Manuel e a Maria apanharam um valente aguaceiro e tiveram de se refugiar no celeiro».

«U Manuél i a Maria apanháräu ü valëte águasairu i tivéräu de se refujiár nu selairu».



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Letra "I" -» O som da letra "i" só pode ser aberto ou nasal.

E utilizando as novas regras da acentuação de vogais:

O som da letra "i" pode ser aberto, tal como se lê nas palavras: "inerte", "início" e "ir". A palavra "inerte" continua a escrever-se "inerte", a palavra "início" passa a escrever-se "iniciu" (porque o 2º "i" é aberto e portanto não leva acento, e a palavra "ir" continua a escrever-se "ir".

O som da letra "i" pode ser nasal, tal como se lê nas palavras: "infante" e "importante". A palavra "infante" passa a escrever-se "ïfäte" e a palavra "importante" passa a escrever-se "ïpurtäte".

Na Letra "i", se a sílaba tónica não é nasal então leva acento agudo: Em "íntimo" (de pessoal) e "intimo" (do verbo intimar), ambas as palavras têm mais do que um "i". Na primeira palavra o "i" tónico é o primeiro "ín". Mas como é nasal não leva acento agudo, mas um trema: "ï", como todas as vogais nasais:  ïtimu. Na segunda palavra, "intimo" (do verbo intimar), o segundo "i" tem a carga tónica e, portanto, leva acento agudo: ïtímu.

Em "dízima" (de décima) e "dizima" (do verbo dizimar), ambas as palavras têm mais do que um "i". Na primeira palavra o "i" tónico é o primeiro. E como não é nasal leva acento agudo (dízima). Na segunda palavra "dizima" os dois "is" não são tónicos e, portanto, nenhum leva acento agudo (dizima).



«O infante, lá no seu íntimo pensou: antes a morte honrosa que o cativeiro indigno sob o jugo de infiéis que adoram ídolos pagãos»

«U ïfäte, lá nu sêu ïntimu pësou: ätex a mórte öróza ce u cativairu ïndignu sob u jugu de ïfiaix ce adóräu ídulox pagäux »


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Letra "O" -» O som da letra "o" pode ser aberto, fechado e nasal.

E utilizando as novas regras da acentuação de vogais:

Quando o som da letra "o" é aberto leva sempre o acento agudo, tal como se lê nas palavras: "amora", "embora" e "hora". Estas palavras passam a escrever-se "amóra", "ëbóra" e "óra".

Quando o som da letra "o" é fechado, tal como se lê nas palavras: "avô", "dador" e "pôr", passam a escrever-se sem acento circunflexo: "avo", "dador" e "por". A palavra "por" em «e por isso» passa a escrever-se «i pur isu»

O som da letra "o" pode ser nasal, tal como se lê nas palavras: "dom", "ontem" e "põe"; A palavra "dom" passa a escrever-se "" e o mesmo para a palavra "ontem" que passa a escrever-se "ötëi" e a palavra "põe" que passa a escrever-se "pöi".

Quando o "o" se lê "u", deverá ser substituído pelo "u". Em português, as palavras "o", "dado", "Mário" e "João" passam a escrever-se "u", "dádu", "Máriu" e "Juäu".

A frase: «O Mário e o João foram ao teatro» passa a escrever-se: «U Máriu i u Juäu foräu áu teátru».



Na Roménia, a palavra «Telejornal» escreve-se «Telejurnal»



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Letra "U" -» O som da letra "u" pode ser aberto e nasal.

E utilizando as novas regras da acentuação de vogais:

O som da letra "u" pode ser aberto, tal como se lê nas palavras: "alucinado", "lúcio" e "luz"; A palavra "alucinado" continua a escrever-se "alusinádu", a palavra "lúcio" passa a escrever-se "lúsiu" e a palavra "luz" passa a escrever-se "lúx".

O som da letra "u" pode ser nasal, tal como se lê nas palavras: "umbilical" e "untar". A palavra "umbilical" passa a escrever-se "übilicál" e a palavra "untar" passa a escrever-se "ütár".
Na letra "u", se a letra é tónica e não é nasal então leva acento agudo:

Em "último" (de derradeiro), o "u" tónico é o primeiro "u" e portanto leva acento agudo (últimoúltimu). Em "ultimo" (do verbo ultimar), nenhum dos "us" são tónicos e portanto nenhum leva acento(ultimoultímu).


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Regra nº 6: Todas as vogais e consoantes mudas (que não se lêem) são eliminadas da escrita já que não existem na oralidade. As chamadas consoantes mudas c e p nas sequências interiores: cc, cç, ct, pt, pc e pç, (cc -» c; cç -» ç; ct -» t; pt -» t; pc -» c; pc -» c e pç -» ç) que não sejam proferidas são apagadas.

A vogal «u» quando é muda, não se escreve: «que» passa a escrever-se «qe» / «guetu» passa a escrever-se «getu»;


Exemplos de consoantes que são eliminadas quando são mudas:

«haver» deve escrever-se «aver». O "h" é eliminado -» avêr.

«accionista» deve escrever-se «acionista». O "c" é eliminado -» ásiunixta.

«acção» deve escrever-se «ação». O "c" é eliminado -» ásäu.

«espectador» deve escrever-se «espetador». O "c" é eliminado -» expétador.

«baptismo» deve escrever-se «batismo». O "p" é eliminado  -» bátixmu.

«decepcionar» deve escrever-se «dececionar». O "p" é eliminado  -» desésiunár.

«recepção» deve escrever-se «receção». O "p" é eliminado  -» resésäu.


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Regra nº 7: A cada letra é atribuído um único som. Deixa de haver leitura igual que se faz de letras diferentes e de leituras diferentes que pode ter a mesma letra:

a) Porque é que a palavra "assunção" se escreve com "ss" e depois com "ç", e "tensão" se escreve apenas com "s"?

Seria muito mais fácil atribuir um som único a cada letra até porque, quando aprendemos o alfabeto, é-lhes atribuída um único nome.

Assim, tanto a dupla "ss" como a letra "ç" são eliminadas e substituídas por um simples "s", o qual passará a ter um único som de "ç".

Desta forma, a palavra "assunção" passará a escrever-se "asüsãu".




b) E na palavra "usar", se o "s" tem o som "z" passará a ser sempre representado por um "z". A palavra "usar" escrever-se-á com "z" -» "uzár".

Deixa de haver "coser" (de costura) e "cozer" (de cozinhar). Em ambos os casos utilizar-se-á apenas a palavra "cozer". O significado dependerá apenas do contexto onde está inserida a palavra.


c) Nos plurais, o "s" final não se lê "ç" mas "x". Na palavra bolas, o "s" final não se lê "ç" mas "x" -» bólax.

Outros exemplos: "finais" -» "fináix" / "melros" -» "mélrux" / "carros" -» "cárrux".


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Quanto à letra "c" ler-se-á sempre como nas palavras «caro» ou «concordo» e nunca como nas palavras «centro» ou «cima». Estas palavras passam a escrever-se com "s" -» «sëtru» e «sima».

As palavras «quadro» ou «quebrar» devem ser escritas «cuádro» e «cebrár». E dispensa-se a letra "q".





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O som "ch" passa a ser representado pela letra "x". Tal como o «ph» das antigas (ph)armácias desapareceu sem deixar saudades a ninguém, também o «ch» pode passar à história por não fazer falta nenhuma. Quantas vezes não ouvimos já a pergunta: "esta palavra escreve-se com x ou com ch?".

Também as palavras "simplex" ou "códex" devem ser escritas "simplécs" e "códécs". Neste caso, o som "x" passa a ser escrito com "cs" o que é muito mais conforme à leitura natural.


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Quanto ao caso do som "j". Umas vezes escrevemos este som com "j" outras vezes com "g". Para quê complicar?

Geleia, gente e gigante passam a escrever-se jelaia, jëte e jigäte.

Se usarmos sempre o "j" para o som "j" não precisamos do "u" a seguir à letra "g" pois esta terá, sempre, o som "g" e nunca o som "j". Mais uma letra muda "g" que eliminamos.


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Como se pode ver, eliminaram-se as letras inúteis: "q" e "ç";

Também as letras: "p", "c", "u" "h" e "g", quando não se lêem, são eliminados - (concepção -» conceção / carácter -» caráter / quero -» qero / hei-de -» ei-de / gesto -» jesto).

Também se eliminaram as duplas "ss" e "ch" – (assado -» asado e chaves -» xaves);

Eliminou-se a tripla leitura da letra "s" - (caso "z" -» cazo; casto "x" » caxto);

E eliminou-se a tripla leitura da letra "x" - (córtex -» córteqs; axioma -» acsioma; exemplo -» ezemplo).


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Em Suma




Texto de Miguel Esteves Cardoso, em «Explicações de Português»

Taxtu de Migél Extêvex Cardosu, äi «Êxplicasöix de Purtugêx»



Os Amigos Nunca São para as Ocasiões - Ux Amigux Nüca Säu para ax Ocaziöix



Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.

Ux amigux nüca säu para ax ocaziöix. Säu para sëpre. A idaia utilitária da amizáde, comu ëtreajuda, prötu-sucorru mútuu, tróca de favorex, depózitu de cöfiäsa, sosiedáde de dezabáfux, méte noju. A amizáde é puru prazer. Näu se póde cötaminár cö favorex i ajudax, laia-se dívidax. Péde-se, dá-se, recébe-se, excése-se i näu se fála maix nisu.


A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito.

A decadësia da amizáde ëtre nóx déve-se á ïxtrumëtalizasäu qe täi vïdu a sufrêr. Träxfurmou-se numa expésie de masonaria, uma sëtral de cunhax, palavrinhax, cüplicidádex i cöpadriux. É por iso ce ax amizádex se fázëi i dexfázëi comu se fosäi lásux pulíticux ou comersiaix. Se álgëi «fálta» ou «näu correxpöde», se näu cüpre ax obrigasöix cötratuaix, é lógu cödenádu comu «máu» amigu i sumáriamëte pruxcritu.


Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.

Extá tudu doidu. Só uma mizéria déxtax obriga a dizêr u óbviu: ux amigux säu ax pesoax de ce nóx guxtamux i cö cäie extamux de vêx ëi cuädu. Pudemux näi secér dármu-nux muitu, ou bäi, cö élax. Ou guxtár máix délax du ce élax de nóx. Näu ïterésa. A amizáde é ü goxtu êgoíxta, ou inevitabilidade, u caminhu de ü curasäu äi róda-livre.


Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objectivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade.

Ux amigux täiäi de sêr inútaix. Ixtu é, baxtáräi só pur êzixtir i, maravilhózamëte, sobráräi-nux na álma só pur cäi i comu säu. U purcê, u öde i u cuädu näu ïterésäu. A amizade näu täi pötu de partida, näi percursu, näi objétivu. É ïpusívél lëbrármu-nux de comu é ce nux turnámux amigux de álgëi ou pësármux nu futuru ce vamux têr. A glória da amizade é sêr apênax presëte. É pur isu ce dura para sëpre; purce näu cötäi expétativax näi planux näi äsiedáde.

quinta-feira, novembro 13, 2014

A manchete que certamente deixaria vários milhões de portugueses radiantes...




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Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007:

[...] "Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais." [...]


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Paulo Morais, professor universitário - Correio da Manhã – 19/6/2012

[...] "Estas situações de favorecimento ao sector financeiro só são possíveis porque os banqueiros dominam a vida política em Portugal. É da banca privada que saem muitos dos destacados políticos, ministros e deputados. E é também nos bancos que se asilam muitos ex-políticos." [...]

[...] "Com estas artimanhas, os banqueiros dominam a vida política, garantem cumplicidade de governos, neutralizam a regulação. Têm o caminho livre para sugar os parcos recursos que restam. Já não são banqueiros, parecem gangsters, ou seja, banksters."

segunda-feira, novembro 10, 2014

Paul Valéry sobre a ortografia francesa: «Esta ortografia criminosa, é uma das fabricações mais grotescas do mundo»



Miguel Siguán Soler (Barcelona, 2 de mayo de 1918 - 8 de mayo de 2010) foi psicólogo, linguista e escritor espanhol. Ocupou a cátedra de Psicologia da Universidade de Barcelona e a direcção do Instituto de Ciências, da presidência da Sociedade Espanhola de Psicologia, sendo também vice-presidente do "Centre Mundial d'Information sur l'Education Bilingüe" e também da "International Society of Applied Psycholinguistics".

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Academia da Língua Francesa: «esta companhia declara que deseja seguir a ortografia antiga que distingue os "homens de letras" dos ignorantes e das mulheres simples...»

Vendryes (1921), um conhecido linguista, dizia: «A ortografia do alemão é regular, a do espanhol bastante boa, mas a do francês e do inglês são abomináveis»


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Provavelmente, em vez de um Acordo Ortográfico, precisávamos de uma Revolução Ortográfica. A seguir, um excelente excerto do livro «A EUROPA DAS LÍNGUAS», de Miguel Siguan, que nos mostra as incongruências ortográficas das principais línguas europeias:

«A par das diferenças nos sinais do alfabeto, o segundo tipo de diferenças que encontramos nos sistemas de escrita das línguas europeias são as diferenças nas regras de transcrição fonética, ou seja, o que em geral conhecemos como as regras de ortografia. Dadas as diferenças que há entre os repertórios de sons utilizados por cada língua é evidente que as regras de transcrição não podem ser as mesmas em todas as línguas da Europa. Mas a verdade é que as diferenças nas regras ortográficas vão muito mais além do que seria necessário pelas diferenças entre os sons das diferentes línguas. Menos justificação há ainda para as regras, no interior da mesma língua, não serem nem sistemáticas nem coerentes.

Um primeiro tipo de incoerência é que numa mesma língua um mesmo som ou fonema se represente com grafias diferentes segundo os casos. Assim, em alemão o fonema [f] pode ser representado por um «f» (form), por um «v» (vorn) ou por um «ph» (phosfor), sem que haja alguma regra que regule estes diferentes usos. Em francês, o fonema [є], «[e aberto») pode representar-se de catorze maneiras diferentes sem que tão-pouco haja alguma regra que justifique por que é que num casos se utiliza uma em vez de outra. Eis aqui alguns exemplos: «e» (fer), «è» (mère), «ê» (fête), «ë» (Noël), «ei» (peine), «ep» (sept), «e» (internet)... Ainda, em francês, o fonema [k] pode ser representado de nove maneiras diferentes: «k» (klaxon), «c» (corps), «q» (coq), «qu»(quand), «cc» (accord)...

Os exemplos em inglês não são menos frequentes. Assim, o fonema [i] pode ser representado de dez maneiras diferentes: «ea» (sea), «ee» (bee), «ie» (field), «ei» (ceiling), «eo» (people)...

A incongruência é ainda maior quando com uma mesma letra ou combinação de letras se representam sons diferentes. Assim, em inglês a letra «a» representa segundo. os casos, seis fonemas diferentes: (account), (arm), [ei] (lake), [a] (ask), [o] (fall), [e] (many), [i] (language), e pode ser muda como o segundo «a» de (arrival). O grafema ou combinação de letras «ai» pode representar quatro sons diferentes segundo os casos, por exemplo: (wait), (aisle), (said), (plaid). E o grafema «au», outros quatro: (claw), (laugh), (gauge), (mauve).

A primeira consequência destas incongruências é que frequentemente quando ouvimos uma palavra não temos a certeza de como se escreve correctamente e, por outro lado, quando vemos uma palavra escrita nem sempre sabemos como se pronuncia. Esta ambivalência pode chegar ao ponto de duas palavras que se escrevem exactamente da mesma forma se pronunciarem de maneira diferente segundo o significado e, pelo contrário, palavras que se pronunciam da mesma forma terem grafias diferentes também segundo aquilo que significam. Exemplos do primeiro caso de homografia com heterofonia, em inglês, são: (read), que se pode pronunciar [rid] ou [red], e (bow), que se pode pronunciar [bou] ou [bau]. E em francês a palavra (portions), onde a letra «t» se lê [t] ou [s] segundo o significado que se dá à palavra. Quanto ao segundo caso, homofonia com poligrafia, limitar-me-ei a um exemplo simples: a ortografia francesa distingue cuidadosamente em muitos casos de adjectivos entre masculino e feminino: (vrai-vraie), (égal-égale), (aigu-aigue), (cher-chère)... quando na linguagem oral não se dá pela diferença.

Não é necessário insistir tanto no ponto a que estas incoerências do sistema ortográfico dificultam a aquisição da língua escrita (quanto tempo e quanta energia se têm de dedicar a uma tarefa que começa na primeira infância e nunca se pode considerar terminada). Como no ponto a que a distinção social, muitas vezes gratuita e injusta, se estabelece entre aqueles que escrevem sem erros de ortografia e os que os cometem. Acrescentemos as dificuldades que uma ortografia irracional acrescenta à tarefa de aprender línguas estrangeiras, algo que hoje pretendemos estender a toda a população. Todas estas considerações são tão evidentes, que é natural que em todas as línguas se tenham feito e se continuem a fazer propostas para racionalizar a ortografia. Que esperanças há de que estas reformas se levem a cabo?

A ortografia francesa foi fixada no séc. XVIII pela Academia da Língua com critérios arqueológicos e arcaizantes que já no seu tempo se aproximavam do pedantismo - «esta companhia declara que deseja seguir a ortografia antiga que distingue os "homens de letras" dos ignorantes e das mulheres simples...» - e que desde então se tem mantido inalterada apesar das frequentes denúncias. «Esta ortografia criminosa, uma das fabricações mais grotescas do mundo» (Paul Valéry, Varieté III, 1936).

Têm sido frequentes também as propostas de reforma, mas ao contrário da Academia Espanhola, que por duas vezes ao longo da sua história modificou as normas ortográficas em nome de uma maior racionalidade, a Academia Francesa não aceitou nunca nenhuma. Nos últimos anos, as vozes a favor de uma reforma têm-se feito ouvir mais. O conhecido linguista Martinet, consciente das dificuldades que apresenta a ortografia para a aquisição da língua escrita, propôs há algum tempo (1977) um sistema estritamente fonético, o «alfonic», que se utilizaria para ensinar a ler e a escrever antes de, numa etapa posterior, se dar o salto para a ortografia «oficial», embora seja evidente que assim só se complica o problema. Numa perspectiva mais radical, Chervel e Blanche Benveniste (1978) propuseram substituir a ortografia francesa por um sistema de transcrição exclusivamente fonético. Mais recentemente ainda, a Academia da Língua, em resposta às fortes pressões recebidas, negou-se a tomar em consideração qualquer das propostas, mesmo as mais suaves.

A par do francês, o inglês é outro caso. O sistema ortográfico inglês é provavelmente o mais incoerente de todos os sistemas ortográficos que utilizam o alfabeto latino, isso porque manteve intacta a grafia correspondente ao inglês falado no séc. XVI ou mesmo, segundo certos autores, ao inglês medieval, apesar das mudanças fonéticas ocorridas desde então. No caso do inglês, o conservadorismo da ortografia contrasta com a notável flexibilidade da língua em todos os aspectos, do vocabulário à sintaxe, e deve ser atribuído, como em França, ao respeito reverencial de que sempre desfrutou a língua escrita transmitida academicamente e privilégio de uma minoria, no fundo a mesma motivação que faz com que se mantenha na China a escrita tradicional.



George Bernard Shaw (1856 — 1950) foi um dramaturgo, romancista, contista, ensaísta e jornalista irlandês. Levou a cabo uma cruzada para a simplificação da ortografia inglesa.


Não é que tenham faltado críticas ou propostas para a modificar. No século passado, Pitman, o inventor da estenografia, dedicou muito do dinheiro que tinha ganho com a sua invenção a promover uma ortografia simplificada do inglês. E, já no séc. XX, é conhecida a cruzada que Bernard Shaw levou a cabo na mesma direcção e à qual deixou em testamento a maior parte da sua fortuna. A «Simplified Spelling Society», dedicada ao mesmo objectivo, contou entre os seus membros com ilustres linguistas e um neto de Pitman divulgou um método fonético para as escolas semelhante ao que Martinet propôs em França. Tudo em vão. Paradoxalmente, o facto de a ortografia inglesa não depender de uma autoridade com poder decisório como aquele que a Academia Francesa constitui, apoiando-se só no peso da tradição, faz com que a reforma seja ainda mais difícil.

Referi-me ao francês e ao inglês porque são os exemplos mais patentes de incoerência ortográfica. Vendryes (1921), um conhecido linguista, dizia: «A ortografia do alemão é regular, a do espanhol bastante boa, mas a do francês e do inglês são abomináveis». Na verdade, também a ortografia do alemão e do espanhol apresentam incongruências, apesar de tudo. Quase todas as línguas escritas as apresentam. Para encontrar exemplos de escritas completamente racionais. sem contar com o esperanto, temos de pensar nalgumas línguas siberianas que nunca tinham tido um uso escrito quando linguistas soviéticos as codificaram nos anos trinta. Porque mesmo línguas que nunca tinham tido um uso académico ou oficial e que, no século passado ou mesmo mais recentemente, foram codificadas, quando lhes foi atribuída uma norma escrita não foram seguidos totalmente os critérios da racionalidade. Às vezes, o exemplo da língua mais forte fez com que se adoptassem as suas soluções na transcrição fonética. É o que acontece hoje quando se propõem normas escritas para línguas autóctones da América em países onde o espanhol é, desde há séculos, a língua dominante. Embora noutros casos aconteça o contrário.




O Deus hebraico desce "para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam" e vendo o que faziam, mostra-se irritado com o desenvolvimento do povo, já que o objetivo da empreitada era fazer uma torre que chegasse até o céu (a habitação de Deus). Por isso, Deus decidiu confundir-lhes as línguas para impedir que prosseguissem com sua empreitada.

E [acrescento eu], como se a multiplicação das línguas já não fosse suficientemente má para o entendimento entre os homens, Iavé escolheu ainda os mais néscios dentre eles para a codificação das regras ortográficas dessas línguas…


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Do que foi dito até aqui se conclui que se as reformas ortográficas das línguas europeias são necessárias e urgentes, a probabilidade de que se introduzam a curto prazo são pequenas. Acerca do sentido destas reformas falta ainda fazer uma observação, aquela que mais tem a ver com o espírito deste livro.

Até meados do séc. xx, as propostas de reforma ortográfica fizeram-se no seio de uma determinada língua e pensando só nos seus habitantes nativos e nos alunos que tinham de a aprender. Actualmente, dada a necessidade crescente de aprender línguas estrangeiras e o peso crescente dos sistemas informáticos, não só convém que o sistema ortográfico de cada língua seja o mais simples e racional possível, como também que os sistemas das diferentes línguas sejam coerentes e não contraditórios entre si. Ou seja, convém que uma mesma letra ou uma mesma combinação de letras não signifique sons totalmente diferentes segundo a língua considerada, e ao contrário, que um som igual ou parecido não seja representado de formas completamente diferentes em diferentes línguas. Todavia, é um facto que este objectivo não é fácil de alcançar.»